terça-feira, 30 de outubro de 2012

O Câncer


O Câncer

Foi uma valsa, para quem não se arriscava em passos de samba ou tango.
Bailou e rodopiou pelo salão como quem não se cansava de inventar novos passos. E como dançou!
Mas o câncer é traiçoeiro. Te deixa respirar aliviado por uns instantes. Te deixa renovar a fé e até se vestir de sonhos. Então, vem no seu próximo golpe e, em todas as vezes, fatal.
Deixou que renascessem os cabelos, a cor na face e as esperanças.
E toda a família bailou junto. Em compasso com o presente e o futuro, nos brindando de expectativas cegas e fartas, dançou mais uma vez. Mais duas ou três...
E o corpo emagrece. Os ossos enfraquecem. A fé, de farta e gorda, pesa os ombros, as pernas, e incham as mãos.
Os sonhos se esvaecem... a dança, nem samba ou tango, perde o passo, o compasso... E eis que ele, o câncer, golpeia mais uma vez.
Fígado. Estômago. Esôfago. Órgãos.
E destas mãos grandes do céu, de onde veio a sombra nos momentos de cansaço ofegante, vem também o a chuva que lava nossos pecados e nos permite o perdão. Perdão por não nos manter de pé. Por duvidar e questionar os motivos da dor. Por não aceitar a marcha fúnebre no lugar do samba, do tchá-tchá, do tango.
E a maldita doença que te leva uma vez por dia e um dia por vez. Se alimenta do teu sangue, do teus órgãos, da tua fé... ainda sem explicação, vive a semear a dor da perda nos corações até dos mais fiéis.
Findo aqui sem grandes explicações. Porque não há. Porque a revolta ainda não me deu fôlego para respirar o alívio do perdão.
E dos passos de valsa, não restou nem o som.
Débora Andrade

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